quarta-feira, 6 de março de 2013

O CONCEITO DE TRANSIÇÃO OU RECEITAS DO FUTURO?


Hector Benoit 1

Resumo: Procuramos discutir o conceito de transição de Marx e mostrar como, para ele,
este conceito é incompatível com uma teoria de transição detalhada do futuro. Nesse
sentido, mostramos como há proximidade entre os socialistas utópicos, combatidos por
Marx desde as páginas do Manifesto e aqueles que, posteriormente, diversas vezes,
procuraram elaborar uma nova teoria de transição, pretensamente complementar àquela de
Marx.
Palavras-chave: conceito de transição, teoria de transição, programa de transição


CONCEPT OF TRANSITION OR RECIPIES OF THE FUTURE?

Abstract: We made an effort to discuss the concept of transition of Marx and show how for
him this concept is incompatible with a detailed theory of transition of the future. In such a
way, we demonstrated the existent propinquity between utopian socialists opposed by Marx
since the pages of the Manifest and those that, lately, many times, tried to elaborate a new
theory of transition, supposedly complementary to that one of Marx.
Keywords: concept of transition, theory of transition, program of transition

No posfácio da segunda edição de O capital, datado de janeiro de 1873, observa
Marx a incompreensão a respeito do método dialético dessa obra, e comenta, ironicamente,
a resenha escrita por Roberty, um discípulo de Augusto Comte. Escreve Marx: “a Revue
Positiviste me acusa de que eu, por um lado, trato a Economia metafisicamente e, por outro
– adivinhem!-, de que eu me limitaria à mera análise crítica do dado, em vez de prescrever
receitas (comteanas?) para a cozinha do futuro (für die Garküche der Zukunft)” 2. Mais
adiante, no mesmo posfácio, comentando outra resenha, aquela que havia sido publicada no
Correio Europeu, de Petersburgo, Marx cita trecho no qual apareceria de forma precisa a
descrição do seu verdadeiro método. Escrevera o autor: “Para Marx, só importa uma coisa:
descobrir a lei dos fenômenos de cuja investigação ele se ocupa. E para ele é importante
não só a lei que os rege, à medida que eles têm forma definida e estão numa relação que
pode ser observada em determinado período de tempo. Para ele, o mais importante é a lei
de sua modificação, de seu desenvolvimento, isto é, a transição de uma forma para outra
(der Übergang aus einer Form in die andre)...”3.

Esses dois trechos do posfácio de 1873 resumem bastante bem o que gostaríamos
de discutir aqui: qual é o conceito dialético de transição, ou seja, qual o conceito
propriamente marxista de transição? Em que o conceito marxista de transição se diferencia
das receitas comteanas de futuro? Pensamos que expor claramente o conceito dialético-
marxista de transição é tarefa das mais importantes. Pois, como veremos, na compreensão
conceitual não-dialética que subsiste a respeito do conceito de transição, expressam-se
posições teóricas e políticas (muitas vezes, ocultas).

OS SENTIDOS DE TRANSIÇÃO PARA MARX

Quando se menciona a noção de “transição” em teoria marxista, três sentidos
fundamentais se confundem, às vezes sem maiores explicitações. 1)Um primeiro sentido é
aquele de que “transição” significa o modo pelo qual se caminha do interior do modo de
produção capitalista ao momento revolucionário da tomada do poder de Estado pelo
proletariado. 2)O segundo sentido corrente é aquele de que “transição” designa o período
que se desenvolve após a tomada do poder. Esta transição se desenvolveria por um longo
período, em diversas fases, do socialismo ao comunismo. 3)Um terceiro sentido é aquele de
que “transição” designa o período de passagem de qualquer modo de produção para outro.
Ou seja, indistintamente, da comunidade primitiva ao modo de produção asiático, do
asiático ao modo de produção escravista ou ao feudal, deste ao capitalismo, ou ainda, do
capitalismo ao socialismo e comunismo.

Para os conhecedores da obra de Marx, pode-se dizer que esses três sentidos de
transição, de alguma maneira, estão presentes nos seus textos, no entanto, em forma, em
extensão e em importância desiguais. Existiria um sentido hegemônico ou fundamental?
Qual seria ele?

O SENTIDO PRIMEIRO DE TRANSIÇÃO

Pensamos que o sentido fundamental, aquele determina e, assim, rege
metodologicamente os outros sentidos, é o primeiro deles. Ou seja, como afirmara o autor
de Petersburgo: “Para Marx, só importa uma coisa: descobrir a lei dos fenômenos de cuja
investigação ele se ocupa”. Do que se ocupou Marx, quase a vida inteira? O que ele
investigou? Ele investigou e ocupou-se do capitalismo e do capital. Assim, ele investigou a
lei que rege os fenômenos do capital e do capitalismo. Porém, como dizia ainda o mesmo
autor: para Marx “é importante não só a lei que rege os fenômenos estudados (...). Para ele,
o mais importante é a lei de sua modificação, de seu desenvolvimento, isto é, a transição de
uma forma para outra”. Assim, Marx estudou as leis que regem o presente capitalista, mas,
sobretudo, a lei da modificação deste presente capitalista posto, a transição deste presente
capitalista posto para algo de outro. Marx procurou encontrar, assim, o caminho negativo
deste presente capitalista posto. Portanto, é este sentido de transição o predominante, aquele
que prevalece sobre os outros dois sentidos, e os determina dialeticamente.

A DIALÉTICA ENTRE O PRIMEIRO E O TERCEIRO SENTIDO

Vejamos como ocorre esse processo de determinação. Para realizar a negação do
presente capitalista posto é necessário, antes, no método dialético de Marx, desvelar os
pressupostos (Voraussetzungen) do que está posto. Como ele já escrevia na Ideologia
Alemã: “Os pressupostos de que partimos não são arbitrários, nem dogmas. São
pressupostos efetivos (wirkliche Voraussetzungen) a respeito dos quais não se pode fazer
abstração a não ser na imaginação”4. Assim, Marx desenvolve, para estudar os
pressupostos, uma teoria da história dos modos de produção anteriores. Um primeiro
desenvolvimento nesse sentido aparece na Ideologia alemã, depois no Manifesto
Comunista e, de forma mais rigorosa nos manuscritos de 1857/58. Particularmente, este
desenvolvimento ocorre em trecho desses manuscritos, aquele conhecido como Formações
econômicas pré-capitalistas. Neste escrito, Marx volta-se para as diversas formações que
antecederam o capitalismo, mas, não para fazer uma teoria sociológica geral ou história do
passado, não para produzir saberes positivos no sentido daqueles desenvolvidos pelas
chamadas “ciências humanas”. Não se trata também de uma filosofia da história no sentido
hegeliano, apesar de descrever um certo encadeamento histórico que ele chama de “história
mundial” ou Weltgeschichte5 . Mas, exatamente por que aqui não temos nem uma
construção positiva das ciências humanas e nem uma filosofia da história? Por que não
temos nem uma metafísica hegeliana e nem construções comteanas ou weberianas?
Porque, rompendo com a metafísica e positivismo dos saberes burgueses, seguindo
uma dialética que “em sua essência é crítica e revolucionária”6, ao investigar os modos de
produção pré-capitalistas, os investiga ainda e sempre do ponto de vista da negação do
presente capitalista posto procurando os seus pressupostos. Assim, a partir da reflexão
dialética sobre os outros modos de produção, desvelará a especificidade do modo de
produção capitalista e a gênese histórica de cada uma das suas principais contradições e
categorias: mercadoria, valor de uso e valor, trabalho abstrato e trabalho concreto, trabalho
social e trabalho individual, dinheiro, extração de trabalho excedente, separação dos
produtores dos meios de produção e, claro, acima de tudo, a particular especificidade de
cada forma efetiva da luta de classes no interior das próprias categorias estruturais de cada
modo de produção.

Assim, uma leitura atenta das “Formações econômicas pré-capitalistas” mostra que
Marx, nesse texto, em nenhum momento se afasta do próprio presente capitalista, ou seja,
não se afasta do seu objeto central de investigação, aquele que rege a sua preocupação: o
presente capitalista a ser negado7. A ida ao passado, para Marx, é o trabalho negativo que
revela os pressupostos do presente, realizando a compreensão e a determinação de uma
primeira negação do presente, uma negação pelo passado. Esta negação é fundamental e já
diferencia Marx da maior parte dos socialistas conservadores (tais como Proudhon) ou dos
socialistas crítico-utópicos (tais como os herdeiros de Saint-Simon), que receitam saberes
ético-políticos de transformação do presente, sem sequer entender a especificidade da
estrutura econômica da sociedade capitalista do trabalho assalariado e, muito menos, os
pressupostos da estrutura desta sociedade.

Nessa direção, pode-se recordar a compreensão do modo de produção escravista
feita por Marx nas “Formações econômicas pré-capitalistas”. A sua análise permite
compreender a diferença específica entre trabalho escravo e trabalho livre: em ambos há
extração de tempo de trabalho excedente, porém, no escravismo (forma greco-romana), a
classe dominante é proprietária privada do próprio trabalhador. Os trabalhadores, assim,
estão entre os próprios meios de produção, sendo similares a instrumentos de trabalho. Já
no processo de trabalho capitalista, o trabalhador é livre e proprietário da sua força de
trabalho que é vendida como mercadoria8. Como se vê, a diferença na apropriação das
forças produtivas estabelece as diferenças radicais que existem entre as relações de
produção escravistas e as capitalistas. Da mesma forma, Marx mostra como cada modo de
produção se diferencia do outro e, particularmente, como todos eles se diferenciam em
relação ao modo de produção capitalista a partir da forma pela qual ocorre a apropriação
das forças produtivas. A transição de um modo para outro se dá, portanto, a partir da
transformação na apropriação das forças produtivas. Por exemplo: a passagem da forma
asiática para a greco-romana só é possível graças ao surgimento da apropriação privada das
forças produtivas9. Na primeira, a asiática, o único proprietário é a unidade superior estatal
que se ergue sobre a comunidade, em geral, investida por ideologias religiosas. Da mesma
maneira, a passagem do feudalismo ao capitalismo se dá pela transformação na forma de
apropriação das forças produtivas: liberação dos servos em relação aos senhores e
separação dos produtores diretos em relação aos meios de produção. Se a transição de um
modo de produção para outro, segundo Marx, ocorre sempre pela transformação na
apropriação das forças produtivas que gera novas relações de produção, esta apropriação,
inicialmente, não deve e não pode ser pensada como “jurídica”, ou seja, não ocorre ao nível
da superestrutura, mas sim, ao nível da própria estrutura, ainda que, claro, posteriormente,
esta apropriação tende a receber uma forma jurídica superestrutural. Não compreender esta
diferença temporal entre a apropriação (primeira) na instância da estrutura e a forma
jurídica posterior desta apropriação, na instância da superestrutura, é não compreender
absolutamente nada da teoria da transição de Marx.

Esta diferença temporal se explica, do ponto de vista de Marx, porque, para ele, um
novo modo de produção não surge imediatamente, ou em uma ou duas décadas. Não é
assim o resultado de decretos, conspirações, ou atos meramente políticos. Mas sim, ao
contrário, um novo modo de produção nasce das contradições profundas arraigadas em
centenas de anos do modo de produção anterior. Assim, os pressupostos de um modo de
produção estão no seu passado, estão nos modos de produção anteriores. Por isso, para
compreender bem o presente capitalista posto, Marx precisa investigar os pressupostos do
capitalismo. E compreendendo bem o presente capitalista posto, Marx investiga, ao mesmo
tempo, os pressupostos do novo modo de produção possível, o comunismo. Apesar de que
muitos não compreendem nem isto, Marx cansou de insistir e insistir, desde a Ideologia
alemã, passando pelo Manifesto, pelos Manuscritos de 57/58, até O capital, Marx cansou
de expor e expor, e de forma cada vez mais determinada, que estudava os pressupostos do
capitalismo para compreender o próprio capitalismo, e que procurava compreender
essencialmente o capitalismo porque este estava gerando, dentro de si próprio, isto é, de
forma imanente, as novas forças produtivas e as novas relações de produção, ou seja, os
pressupostos do modo comunista de produção.

OS SOCIALISTAS DO FUTURO

Mas, apesar dos esforços constantes de Marx e Engels, isto era difícil de explicar
no século XIX. Os lassalianos, os bakuninistas, os proudhonianos e os blanquistas, não
compreendiam a dialética dos seus textos de “economia” e pensavam a revolução de forma
somente política. Nesse sentido, comentando o livro de Bakunin intitulado O estado e a
anarquia, exclama Marx: “Que estupidez escolar! Uma revolução social radical se encontra
submetida a determinadas condições históricas de desenvolvimento econômico; estas
condições são o seu pressuposto”.10 E mais adiante acrescenta: “Decididamente, ele não
compreende nada da revolução social; só conhece sua fraseologia política; para ele, não
existem as condições econômicas desta revolução”11. Explica Marx, logo a seguir, que
Bakunin acredita ser possível a revolução socialista em qualquer situação de exploração,
justamente não diferenciando as diversas formas de exploração. E conclui o seu comentário
dizendo que, para Bakunin, “a base de sua revolução é a vontade e não as condições
econômicas”12. No mesmo sentido, escrevia Engels a respeito de Blanqui: “é
essencialmente um revolucionário político; é socialista somente por sentimento, por
indignar-se com os sofrimentos do povo, mas não possui teoria socialista, nem propostas
práticas definidas para a reorganização da sociedade”13. Quanto aos seguidores e herdeiros
de Blanqui, comenta Engels que estes conservam os mesmos defeitos do seu inspirador:

não compreendem os pressupostos objetivos das transformações revolucionárias, elaboram
grandes e detalhados planos e “se guiam pelo mesmo princípio de que as revoluções não se
fazem por si mesmas”14. Mas, o pior de tudo era perceber incompreensão similar no próprio
partido operário alemão, ainda em 1875, ou seja, oito anos após a publicação do livro
primeiro de O capital, como atesta o chamado “Programa de Gotha”. Como observa
Engels, Marx e ele estavam mais estreitamente ligados ao movimento operário alemão e
viram com grande preocupação “o decisivo retrocesso que se manifestava neste projeto de
programa”15.

Marx fez a crítica detalhada desse retrocesso que consistia, fundamentalmente, em projetar detalhadamente o futuro socialista com uma série de receitas éticas, jurídicas, superestruturais, esquecendo a rigorosa investigação marxista dos pressupostos estruturais do capitalismo16 .

UM UTOPISTA CONTEMPORÂNEO

Exemplo recente dessa incompreensão aparece no livro de Luciano Martorano,
companheiro nosso da revista Crítica Marxista17. Vejamos, particularmente, uma passagem
do seu livro. Martorano cita, primeiramente, as seguintes afirmações de Stalin: “as novas
forças produtivas e as relações de produção que lhe correspondem não aparecem fora do
antigo regime e depois do seu desaparecimento; aparecem no próprio seio do velho
regime”18. Ora, neste caso, somos obrigados a dizer que Stalin tem toda a razão! E
pensamos que qualquer marxista que tenha lido O capital, concordaria com ele. Mas, para
a nossa grande surpresa, após essa citação de Stalin, Martorano o critica severamente
escrevendo: “o que equivale a dizer que as relações socialistas de produção poderiam surgir
no interior do modo de produção capitalista”. E acrescenta Martorano: “Hipótese
desprovida de qualquer sentido”.19 Incrédulo com o que li, confesso que reli a passagem
várias vezes. Será que é possível afirmar isso – “hipótese desprovida de qualquer sentido”-
do que disse corretamente Stalin? As relações de produção socialistas, segundo Martorano,
não começam a surgir no interior do próprio capitalismo? Infelizmente, é isso mesmo o que
diz e o que quer dizer o nosso autor! Martorano, nessa passagem, discorda de Stalin, assim
como de Marx, de Engels, e dos principais lideres bolcheviques. Como fica claro, aliás, no
parágrafo seguinte da mesma página. Assim escreve ele: “a concepção teórica dos
principais líderes soviéticos, incluindo o próprio Lênin, foi profundamente influenciada
pela problemática das forças produtivas”. E acrescenta que essa concepção “foi decisiva no
privilegiamento (sic) da economia em prejuízo da política (...)”.20

Pensamos que essa incompreensão de Martorano (assim como aquela de seus
inspiradores mais recentes ) nasce em grande parte de uma questão: não pensam o conceito
de transição de Marx dialeticamente. Os modos de produção aparecem como estruturas
estanques e separadas. O máximo de movimento que conseguem dar a essas estruturas é
aquele presente em uma concepção não contraditória de movimento, concepção esta
emprestada a uma sociologia dinâmica, herdada do positivismo comteano e tão presente em
todo marxismo vulgar. Neste marxismo sociológico sempre se pensa por etapas ou estados
estanques. Como compreender, assim, as regiões negativas que se abrem no interior de cada
modo de produção e que são, segundo Marx, os pressupostos de outro modo de produção?
Como, sem dialética, seguir o caminho da negação interna e contraditória apontado por
Marx?

O CAMINHO DA NEGAÇÃO PERCORRIDO POR MARX

Para explicitarmos essa questão, cabe recordar, particularmente, o item 7 do
capítulo XXIV do livro I de O capital, onde Marx expõe de maneira sintética a tendência
histórica da acumulação capitalista. Primeiramente, ocorreu a expropriação dos
proprietários das condições de trabalho, o camponês e o artesão. E comenta Marx que esse
“modo de produção pressupõe o parcelamento do solo e dos demais meios de produção”21.

Trata-se, continua Marx, de uma forma “só compatível com estreitas barreiras naturalmente
desenvolvidas da produção e da sociedade”. Aponta Marx, logo a seguir, o destino limitado
da forma camponês-artesanal de apropriação e pretender eternizá-la “ significaria, como diz
Pecqueur, com razão, ‘decretar a mediocridade geral’. Em certo nível de desenvolvimento,
produz os meios materiais de sua própria destruição”22. Ocorre assim a expropriação da
massa do povo (Expropriation der Volksmasse) e este longo e difícil processo constitui “a
pré-história do capital” (Vorgeschichte des Kapital)23. Mas, tão logo esse processo,
continua Marx, tenha decomposto a antiga sociedade, “a socialização ulterior do trabalho e
a transformação ulterior da terra e de outros meios de produção em meios de produção
socialmente explorados, portanto coletivos, a conseqüente expropriação ulterior dos
proprietários privados ganha nova forma”24. Aquele que começa agora a ser expropriado
não é mais o produtor direto, mas sim, o capitalista que explora trabalhadores. Esta
expropriação começa internamente à própria classe capitalista e produzindo ainda no
interior do próprio capitalismo as forças produtivas e as relações de produção de um novo
modo de produção25.

Tanto é assim que, num certo momento desse desenvolvimento, segundo Marx,
essas novas forças produtivas e novas relações de produção (sociais e coletivas) são
travadas pelas relações capitalistas (privadas) de produção que ainda subsistem, ou seja,
aquelas (novas forças e relações) não podem permanecer se desenvolvendo no interior da
forma de apropriação capitalista. Como afirma Marx em O capital: “O monopólio do
capital torna-se um entrave para o modo de produção que floresceu com ele e sob ele. A
centralização dos meios de produção e a socialização do trabalho atingem um ponto em que
se tornam incompatíveis com o seu invólucro (Hülle) capitalista”26. Observe-se que o
“invólucro capitalista” (kapitalistischen Hülle) que ainda envolve, nessa fase, as forças
produtivas e relações de produção, seria como que uma casca capitalista superficial que
oculta um conteúdo socialista já desenvolvido. Mas então, o que ocorre com tal invólucro
capitalista? Responde Marx: “Ele é arrebentado. Soa a hora final da propriedade privada
capitalista. Os expropriadores são expropriados”27. Reafirmando esse caráter imanente da
transição, após descrever a primeira negação diz um pouco adiante Marx: “O sistema de
apropriação capitalista surgido do modo de produção capitalista, ou seja, a propriedade
privada capitalista, é a primeira negação da propriedade privada individual, baseada no
trabalho próprio”28. Vem, a seguir, de forma também imanente e dialeticamente
contraditória, a segunda negação, a negação da negação: “Mas a produção capitalista
produz, com a inexorabilidade de um processo natural, sua própria negação. É a negação
da negação”29. Esta não restabelece, explica ele, a propriedade privada, mas sim, a
“propriedade individual” (das individuelle Eigentum), ou seja, restabelece aquela forma de
propriedade que foi negada pelo capitalismo, mas sobre uma base social, isto é, “sobre o
fundamento do conquistado na era capitalista: a cooperação e a propriedade comum da terra
e dos meios de produção produzidos pelo próprio trabalho”30.

O SEGUNDO SENTIDO DE TRANSIÇÃO E A DITADURA DO PROLETARIADO

Assim, a partir da negação do presente, do presente posto pelo pressuposto, Marx
determina de maneira mais precisa as categorias do presente e desvela as suas contradições,
descobrindo as tendências de outra negação, a negação da negação, aquela que coincide
com a expropriação dos expropriadores, a ditadura do proletariado. Desta maneira, pode-se
dizer que o primeiro sentido de transição, a transição à ditadura do proletariado, recebe
todas as suas determinações do terceiro sentido de transição, aquele que investiga a
transição nos diversos modos de produção. Marx não falaria, assim, do segundo sentido de
transição (aquele que descreve a transição entre a tomada do poder pelo proletariado e o
socialismo ou comunismo)? Marx não falou do futuro distante? Quando falou, em geral,
falou muito pouco e de forma apenas aludida. Pois, de fato, como afirma corretamente
Mészáros: “A questão de como passar do mundo negado do capital ao reino da meramente
‘aludida’ (expressão de Marx) nova forma histórica não poderia ocupar nenhuma parte no
projeto teórico de Marx”31. E acrescenta ele que, de fato, Marx menosprezava aqueles que
se dedicavam “a especulações sobre o futuro”32.

Como se vê, Marx não se preocupou com o futuro distante ou transição para muito
além da ditadura do proletariado e até ironizou aqueles que, como Comte, o fazem. Mas,
por que? Seria uma lacuna (mais uma?) a ser preenchida na obra de Marx? Não
acreditamos. Para ele, compreender bem o presente e os seus pressupostos seria o
suficiente! Isto seria o suficiente para realizar as tendências negativas contidas no presente,
para realizar a negação possível deste presente. Seria pouco? Pensamos que somente parece
pouco para aqueles que jamais compreenderam o que significa a plena dimensão desta
transição determinada e pensada por Marx, aquela que conduz à ditadura do proletariado. A
ditadura do proletariado em um país, para ele, não é ponto de chegada algum, mas sim,
apenas um dos elos da longa trajetória da revolução permanente mundial que superará o
mercado mundial capitalista e que realizará a ditadura do proletariado nos países
dominantes do mundo. Como escreviam Marx e Engels em 1850, na Mensagem à Liga dos
Comunistas: “Enquanto os pequeno-burgueses democratas querem concluir a revolução o
mais rapidamente possível, depois de terem obtido, no máximo, as reivindicações
mencionadas, os nossos interesses e as nossas tarefas consistem em tornar a revolução
permanente (die Revolution permanent) até que seja eliminada a dominação de todas as
classes mais ou menos possuidoras, até que o proletariado conquiste o poder de Estado, (...)
não só num país, mas em todos os países predominantes do mundo (...)” 33. Somente assim,
segundo Marx, a revolução socialista em um país não seria reabsorvida pelo mercado
capitalista mundial. Esta teoria, de forma cada vez mais determinada –mais embasada no
estudo do capitalismo e dos pressupostos de suas categorias-, foi repetida por Marx e
Engels na Ideologia Alemã34, nos Princípios do comunismo35, no Manifesto, na Mensagem
à Liga dos Comunistas de 1850, acima citada, nos Grundrisse, nos diversos panfletos da I
Internacional36 e, claro, na obra máxima, O capital37 . Conjuntamente à teoria
internacionalista, como se sabe, Marx e Engels se dedicaram intensamente à militância
internacionalista na Liga Comunista e na I Internacional. No entanto, sempre tiveram que
enfrentar, durante toda a vida, aqueles que, sem pensar de forma determinada o presente
capitalista, sem examinar as contradições do presente, sem examinar a negatividade
possível do presente, preferiam falar do futuro.

OS COZINHEIROS DO FUTURO E OS BOLCHEVIQUES

Nesse sentido, cabe lembrar o que diziam Marx e Engels, já no Manifesto, a
respeito do “socialismo e comunismo crítico-utópico”: “À atividade social substituem sua
própria imaginação pessoal; às condições históricas de emancipação, condições fantasistas;
à organização gradual e espontânea do proletariado em classe, uma organização da
sociedade pré-fabricada por eles”38. Mas, claro, os crítico-utópicos falam, sobretudo, do
futuro: “A história futura do mundo se resume, para eles, na propaganda e na prática de
seus planos de organização social”39. Para melhorar o gosto da sua cozinha do futuro, e
como não estabelecem as condições reais de emancipação do proletariado, como bons
discípulos de Saint-Simon e Augusto Comte, eles “põem-se à procura de uma ciência social
( einer sozialen Wissenschaft)”40. O combate de Marx e Engels contra esses elementos e
seus similares, como se sabe não terminou em 1848. Ao contrário, durante toda a sua vida,
mesmo depois da publicação do livro primeiro de O capital, tiveram que explicar a esses
“políticos” do futuro que os seus programas e planos são apenas retrocessos: os
pressupostos da nova sociedade – como demonstra O capital - estão nas próprias forças
produtivas e relações de produção do presente.

Evidentemente, no século XX e neste século XXI continuaram surgindo os que
retrocedem a formas pré-marxistas, os que procuram compreender os problemas “não
vividos” por Marx e Engels, e completar as “lacunas”do seu conceito de transição. A
experiência da Revolução Russa, porém, inicialmente, não mostrava essa direção
equivocada. Ao contrário, Lênin, Trotsky, Preobrazhensky e a maioria dos bolcheviques,
não consideravam a transição diferentemente de Marx e Engels. Os bolcheviques seguiam,
em linhas gerais, o que fora apontado em toda a obra de Marx e Engels, em O capital, e
sintetizado, de forma brilhante e profética, no prefácio da edição russa do Manifesto
Comunista em 1882. Nesse prefácio Marx e Engels perguntam se poderia a Rússia passar
da comunidade rural existente, forma degenerada da primitiva propriedade comum, à forma
superior comunista, sem passar por um desenvolvimento capitalista e respondiam de forma
inequívoca, seguindo o que sempre disseram: “se a revolução russa dá o sinal para uma
revolução proletária no Ocidente, de modo que ambas se completem, a atual propriedade
comum da terra na Rússia poderá servir de ponto de partida para um desenvolvimento
comunista”41. Ou seja, para Marx e Engels, para Lênin42 e para a maioria dos bolcheviques,
a revolução russa socialista era possível, mas, precisava dos pressupostos capitalistas
(forças produtivas desenvolvidas e relações de produção correspondentes) e era
absolutamente inseparável da revolução européia 43.

Após a morte de Lênin, no entanto, contrariando toda a teoria marxista,
desenvolveu-se a teoria do socialismo em um só país, e o que é pior, num país atrasado. O
grande teórico desse retrocesso foi Bukharin que desenvolveu uma teoria de transição lenta
em várias etapas44.

Na polêmica desenvolvida em 1926 entre Bukharin e Preobrazhensky45, é
significativo que este último questiona Bukharin justamente a respeito do método de análise
pouco marxista. Segundo Preobrazhensky, Bukharin não analisa a economia soviética a
partir da base ou estrutura, como fizera sempre Marx, ao invés disso, Bukharin substituiria
o método marxista por aquele da sociologia burguesa alemã (Stammler e sua escola),
partindo de uma análise superestrutural. Nessa direção, observa Preobrazhensky: “no
primeiro esboço de Marx para escrever O capital, havia uma seção sobre o Estado, mas
esse objeto seria tratado só mais adiante, após o estudo da economia capitalista no sentido
estrito da palavra”46 . E pergunta ele a Bukharin: “Por que não é possível começar com a
base na análise teórica da economia Soviética?”47

Na verdade, Bukharin, em sentido contrário àquele da teoria marxista, e
expressando os interesses de uma burocracia que já começava a desenvolver interesses
próprios, iniciava a elaboração de uma teoria de transição na qual o mercado passava a ter
um papel fundamental. Nesse sentido, escrevia ele: “Através da luta no mercado, através
das relações de mercado, e através da competição, as empresas do estado e as cooperativas
deslocarão seu competidor, isto é, o capital privado. No final do processo, o
desenvolvimento de relações de mercado trará a sua própria destruição”48. Detalhando o
seu plano de transição pelo mercado, afirma ainda Bukharin que as indústrias estatais e as
cooperativas, gradualmente, prevalecerão sobre as outras formas da economia e as
eliminarão totalmente, até que, por último, “mais cedo ou mais tarde, o próprio mercado
desaparecerá, sendo substituído pelas cooperativas-estatais que distribuirão tudo o que for
produzido”49. Sabemos hoje bem onde terminou essa teoria de transição pelo mercado –
retomada no período da perestroika. Quem liquidou com quem? O socialismo ao mercado
ou o mercado ao socialismo? E a experiência chinesa – inspirada na “originalidade
política”de Mao (também admirada por Martorano, Betelheim, Balibar e outros)– terminou
diferente?50

Em sentido contrário, embasados na teoria clássica de Marx e Engels, levando em
conta os pressupostos do conceito de capital, Trotsky e Preobrazensky sustentaram a
posição de que planificação e mercado são incompatíveis. Na mesma direção de Marx e
Engels, seguindo as tarefas do presente, procurando a transição do presente posto ao futuro
próximo da ditadura do proletariado, como e enquanto transição inseparável da revolução
permanente, desde o começo da década de 20, desenvolveu Trotsky a Oposição de
Esquerda no interior da URSS e depois internacionalmente. Da mesma maneira, após a
falência da III Internacional, fundando uma nova internacional, Trotsky elaborou o
chamado “Programa de Transição”, um programa que absorvendo as experiências
revolucionárias da primeira metade do século XX, continuou diretamente estruturado na
própria teoria de O capital, superando as diferenças entre um programa mínimo reformista
e um programa máximo para os dias de festa51. 

Nesse sentido, pensamos que a procura de um novo programa ou de uma nova teoria de transição para o século XXI é a proposta daqueles que, ainda e mais uma vez, preferem receitas da cozinha do futuro ao invés do conceito de transição elaborado por Marx.

_____________________________________
NOTAS:

1
Departamento de Filosofia, UNICAMP.
2
O capital, livro I, p. 18, ed. Abril Cultural; MEW, 23, p. 25.
P. 19, Abril; p. 25-26 MEW.
4
MEW, 3, p. 20. Em O capital, constantemente, Marx se refere aos “pressupostos históricos” (die
historischen Voraussetzungen) do capital (cf. por exemplo, Livro I, p. 161, MEW, 23)
5
Ainda em O capital, Marx se refere a uma Weltgeschichte que seria pressuposto das diversas categorias do
capital.
6
Palavras do próprio Marx em O capital: “...ihrem Wesen nach kritisch und revolutionär ist.”(p.28, MEW,
23).
7
Sabemos que em O capital, esses estudos reaparecem em diversas passagens e, freqüentemente, são
desenvolvidos em extensas notas. Por exemplo, no capítulo XIII, “Divisão do trabalho e manufatura”, mostra
a especificidade da divisão de trabalho capitalista comparando-a com aquela ocorrida na Antigüidade clássica.
Neste caso, o predomínio do valor de uso conduz a uma maior preocupação com a qualidade do produto e
não, necessariamente, com a quantidade da produção (cf. pp. 286-287 da ed. Abril; pp.386-387, MEW).
8
Marx analisa a forma greco-romana ,particularmente, nas páginas 381-383 dos manuscritos de 57/58
(MEGA); páginas 68-71 da tradução brasileira, ed. Paz e Terra, 1975, sob o título “Formações econômicas
pré-capitalistas”. Em várias notas de O capital, Marx retoma essas análises.
9
Exemplo dessa transição é a passagem da civilização creto-micênica (toda organizada em torno do palácio
real e ordenada por uma larga burocracia) àquela da polis grega.
10
Marx, “Anotações ao livro de Bakunin O estado e a anarquia”, (texto de 1874/75), p. 435, II, in Marx e
Engels, Obras Escogidas em três tomos, Moscou, 1979, Editorial Progresso.
11
Idem, ibidem.
12
Idem, ibidem.
13
Engels, “O programa dos emigrantes blanquistas da Comuna”, (1874), in p. 402, II, Obras Escogidas, ed.
citada.
14
Idem, ibidem.
15
Obras Escogidas, ed. citada, III, p. 6.
16
Por exemplo, escreve Marx: “O direito não pode ser nunca superior à estrutura econômica (...)”(op. cit., ed.
cit., p. 14). Ou então: “Se as condições materiais de produção fossem propriedade coletiva dos próprios
operários, isto determinaria, por si só, uma distribuição dos meios de consumo diferente da forma atual. O
socialismo vulgar ( e por seu intermédio, uma parte da democracia) aprenderam dos economistas burgueses a
considerar e tratar a distribuição como algo independente do modo de produção, e, portanto, a expor o
socialismo como uma doutrina que gira principalmente em torno da distribuição”. E acrescenta Marx irritado
com o retrocesso idealista: “Uma vez que já foi elucidada, há muito tempo, a verdadeira relação das coisas,
por que voltar para trás?” (p.16).
17
A burocracia e os desafios da transição socialista, SP, Xamã, 2002.
18 
Stalin, Materialismo Dialético e Materialismo Histórico, 2a ed. SP, Global, p.49.
19
Martorano, op..cit., p. 31. Os grifos são nossos.
20
Idem, ibidem. Mas, onde Martorano encontra inspiração para tal ousadia anti-stalinista, anti-bolchevique e
antimarxista? Como já ficava claro em passagens anteriores, na “genialidade” de Bukharin! Como escreve
Martorano: “Entre Bukharin e o Marx do ‘Prefácio’ existe, porém, uma diferença fundamental e decisiva.
Para o primeiro (Bukharin), que se afasta aqui do economicismo, há uma premissa para a mudança das
relações de produção na transição socialista: a revolução política-(...)”(op. cit., p.25). Voltaremos, mais
adiante, à transição “política” de Bukharin. Outra inspiração política de Martorano para corrigir Marx e os
bolcheviques é Mao Tsetung. Assim escreve ele: “Já Mao Tsetung oferece a possibilidade de uma nova leitura
sobre o objeto da transição aqui examinado. Leitura centrada principalmente na defesa da necessidade de
transformação das relações de produção (...); no papel da superestrutura, especialmente da política, na
modificação da base econômica;”(citação tirada da mesma p. 31, ou seja, aqui Martorano está contrapondo
Mao ao “economicismo de Marx” e àquele dos “ principais líderes bolcheviques”).
21
Ed. Abril, p. 293; p.789, 23, MEW.
22
Idem, ibidem.
23
MEW, 23, p. 790.
24
Idem, ibidem; ed. Abril, p. 293.
25
Cabe aqui citar na íntegra o parágrafo seguinte, já que muitos parecem haver esquecido esta e muitas outras
passagens de O capital: “Essa expropriação se faz por meio das leis imanentes da própria produção
capitalista, por meio da centralização dos capitais. Cada capitalista mata muitos outros. Paralelamente a essa
centralização ou à expropriação de muitos outros capitalistas por poucos se desenvolve a forma cooperativado processo de trabalho em escala sempre crescente, a aplicação técnica consciente da ciência, a exploração
planejada da terra, a transformação dos meios de trabalho em meios de trabalho utilizáveis apenas
coletivamente, a economia de todos os meios de produção mediante o uso como meios de produção de um
trabalho social combinado, o entrelaçamento de todos os povos na rede do mercado mundial e, com isso, o
caráter internacional do regime capitalista. Com a diminuição constante do número dos magnatas do capital,
os quais usurpam e monopolizam todas as vantagens desse processo de transformação, aumenta a extensão da
miséria, da opressão, da servidão, da degeneração, da exploração, mas também, a revolta da classe
trabalhadora, sempre numerosa, educada, unida e organizada pelo próprio mecanismo do processo de
produção capitalista.”. (ed. Abril, pp.293-294).
26
Ed. Abril, p. 294.; MEW, p.791.
27
idem, ibidem.
28
idem, ibidem.
29
Idem, ibidem.
30
Idem, ibidem. E terminando este capítulo XXIV, Marx, de forma significativa, cita em nota o Manifesto do
Partido Comunista, e justamente aquele trecho deste texto em que já se afirmava esse processo imanente
contraditório, mas a partir das classes sociais e de sua luta: a burguesia com o desenvolvimento da indústria
“produz, antes de mais nada, seus próprios coveiros”, ou seja, o proletariado. Como se vê, para Marx, a luta
de classes está no interior da própria estrutura nas contradições contidas nas diversas categorias da economia:
mercadoria, valor de uso e valor, trabalho abstrato/concreto, trabalho individual/social, a luta se dá na própria
extensão ou redução da extração de trabalho excedente, assim como, evidentemente, na
apropriação/expropriação de uma forma ou de outra das forças produtivas (Cf. meu artigo "Sobre a
crítica(dialética) de O Capital," in revista Crítica Marxista, editora Brasiliense, no3, 1996, 14-44.
31
Para além do capital, p. 1068, SP, 2002, Boitempo Editorial.
32
Idem, ibidem.
33
MEW, 7, p. 247-248.
34
Escrevem Marx e Engels já na Ideologia alemã: “o comunismo, sua ação, só pode ter uma existência
histórico-mundial (weltgeschichtliche Existenz)” (p. 36, MEW, 3).
35
O jovem Engels perguntava: “É possível esta revolução em um só país?” E respondia: “Não. A grande
indústria, ao criar o mercado mundial, uniu já tão estreitamente todos os povos do globo terrestre (...) que um
depende do que acontece no outro país (...). Por conseguinte, a revolução comunista não será uma revolução
puramente nacional (...)”. (Obras Escogidas, ed. cit., I, p.93)
36
Nos “Estatutos gerais da Associação Internacional dos Trabalhadores” (1871) pode-se ler: “a emancipação
do trabalho não é um problema nacional ou local, mas um problema social que envolve todos os países nos
quais existe a sociedade moderna e precisa para a sua solução dos recursos práticos e teóricos dos países mais
avançados;”(Obras Escogidas, II, p. 14). Observe-se que este documento foi publicado em francês, inglês e
alemão.
37
Na mesma direção do livro I que termina anunciando a expropriação dos expropriadores terminaria o livro
III. Não por acaso, o último capítulo do livro III, do qual só existe o início, tratava das classes. Neste último
capítulo, segundo Engels, com a apresentação das classes, Marx trataria também da “luta de classes
necessariamente dada”, e então surgiria “o resultado realmente visível do período capitalista” (Prefácio de O
capital, livro III, p. 9, ed. Abril).
38
MEW, 4, p.490.
39
Ibidem.
40
Ibidem.
41
MEW, 4, p.575.
42
Após apontar que Marx “menosprezava” uma teoria de transição do futuro comunista, Mészáros reconhece
que Lênin também não tinha tal teoria: “Nem para Lênin, o problema da transição foi relevante antes da
Revolução de Outubro, uma vez que estava engajado na elaboração de uma estratégia para quebrar o elo mais
débil da cadeia, na esperança de iniciar uma reação em série que resultaria numa problemática muito diferente
daquela que, realmente, se apresenta através de uma revolução soviética isolada”(op. cit., p. 1068). Ou seja,
em outras palavras, a teoria de transição de Lênin era aquela de Marx e Engels!
43
E assim da teoria da Revolução Permanente. Ainda que esta teoria, desde 1905, era atribuída a Trotsky. O
desconhecimento da Mensagem à Liga dos Comunistas colaborava nessa direção. Mesmo na França, esse
texto só foi publicado em 1923, no Bulletin communiste, numa tradução de Marcel Olivier (cf. Alfred
Rosmer, “Introduction”, p. 9, in L. Trotsky, De la révolution, 1963, ed. Minuit)
44
Martorano resume quatro “fases e/ou etapas”(a expressão é dele! cf. p.106) da transição (“Socialismo:
notas sobre revolução, transição e programa”, Crítica Marxista, 18). Cabe lembrar que as posições de
Bukharin, antes e depois de 1920 não são idênticas: na metade dos anos 20, ele modificará sua visão sobre o
período de transição, vendo a NEP como uma estratégia de longo prazo. Reconheceu então a necessidade do
uso prolongado dos mecanismos de mercado (Cf. K. J. Tarbuck: “Bukharin and ‘Market Socialism’”, p. 94, in
Bukharin in retrospect, organização de T. Bergmann, G. Schaefer, M. Selden, N. York, 1994, ed. M. E.
Sharpe). Ora, essas fases do pensamento do próprio Bukharin não ficam claras nas exposições de Martorano
(nem no artigo e nem no livro citados). Caso Martorano estivesse se apoiando na teoria de transição do
primeiro Bukharin, seria esta uma teoria abandonada pelo próprio Bukharin!
45
Aleksandar M. Vacic, “The Bukharin-Preobrazhenskii polemic”, in Bukharin in retrospect, ed. citada.
46
The New Economics (in Russian), 1926, Moscou, p. 60 (citado por Vacic, op. cit., p. 87).
47
Ibidem, p. 88.
48
Bukharin, Selected Writings on the State and the Transititon Period, ed. R. Day, Armonk, N. York, 1982, p.
261 (cf. artigo citado de Tarbuck, p. 103).
49
Idem, ibidem.
50
Como escreve Martorano: “a Revolução Cultural Chinesa representou, entre outras coisas, um grande
movimento de crítica ao economicismo.(...). Ao contrário dos bolcheviques, (...), a experiência chinesa indica
a necessidade de transformação das próprias forças produtivas capitalistas” (p. 36-37, in A Burocracia..., op.
cit.). Martorano resume a sua contribuição eclética à teoria da transição, da seguinte forma: “o legado teórico
de Bukharin sobre as ‘fases’ da revolução, agregado à sua compatibilidade com as análises de Charles
Betelheim e de Etienne Balibar sobre a teoria da transição, fornece fecundas indicações para o
aprofundamento do debate marxista (...) contribuindo para a discussão do programa socialista no séc. XXI”
(artigo citado da CM, p.114).
51
Sobre a relação entre o “Programa de Transição” e O capital, cf. meus artigos: "Sobre a crítica(dialética) de
O Capital," in revista Crítica Marxista, editora Brasiliense, no3, 1996, 14-44; ”Sobre o desenvolvimento
(dialético) do programa”, in Crítica Marxista, no4, editora Xamã, São Paulo, 1997, pp.9-44; “O Programa de
Transição de Trotsky e a América”, in Crítica Marxista, no18, editora Revan, maio de 2004, p37-64.